Os ‘Painéis de São Vicente de Fora’ ganham vida numa peça para crianças.
Estávamos em 1882 quando, numa sala escura do Paço da Patriarcal de São Vicente de Fora, se redescobriu uma obra-prima do século XV. Feito o achado e o seu restauro, a peça atribuída a Nuno Gonçalves começou a ser estudada por várias gerações de especialistas e historiadores de arte, portugueses e estrangeiros. Mas, passado mais de um século, o políptico – um retábulo composto por seis painéis a óleo e têmpera sobre madeira – continua envolto em mistério. A partir do livro homónimo de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, a nova produção da Foco Lunar, Quem é esta gente nos Painéis de São Vicente?, desafia-nos a imaginar como terá o pintor régio de D. Afonso V, sobre o qual também pouco se sabe, realizado o retrato de época. A estreia está marcada para este domingo, 7 de Novembro, no Museu Nacional de Arte Antiga.
“A pandemia tirou-me muito trabalho, mas também me deu outras oportunidades. Era impossível pôr 17 actores em palco, mas podia pôr um, gravando os outros todos”, esclarece Vasco Letria, no final de um ensaio. Com recurso a videomapping, o encenador não só dá vida aos Painéis de São Vicente de Fora, como convida os espectadores a estarem atentos à sua composição ou a informações sobre a sociedade portuguesa de há 500 anos. Em palco, Tobias Monteiro interpreta o papel de Nuno Gonçalves, que contracena com mais de uma dezena de outros actores e figurantes em imagens pré-gravadas, que evocam o bulício da sua oficina, entre pipas, potes e muitas surpresas. “Não contamos tudo, deixamos sempre um caminho aberto para a imaginação”, promete Vasco, ansioso por levar este espectáculo portátil a escolas, bibliotecas e outros recintos do país.
Estabelecer laços de afecto com a obra é o primeiro passo para a apreciar. Quem o diz é Ana Maria Magalhães, que assina com Isabel Alçada o livro a partir do qual a peça foi criada. Editado pela Imprensa Nacional em 2017, com ilustrações de Ana Seixas e direcção de arte da Pato Lógico, Quem é esta gente nos Painéis de São Vicente? (15€) propõe, por um lado, uma espécie de casting para a escolha dos modelos nos quais as figuras retratadas seriam inspiradas e, por outro, uma série de exercícios de interpretação e descoberta das seis pinturas, que juntas compõem uma solene e monumental assembleia representativa da Corte e de vários estratos da sociedade portuguesa da época. “Fui muitos anos professora do 5.º e 6.º anos. Não é fácil ajudar crianças de nove, dez anos, a perceber o quanto a obra é bela. Dar vida às personagens através de uma história é uma maneira [de o fazer].”
“Esta obra é absolutamente central na nossa história de arte. A nossa intenção é que os miúdos, cedo na vida, a conheçam. Quando conhecemos uma coisa na infância geralmente temos uma relação com ela que é completamente diferente de uma descoberta feita posteriormente”, confirma Isabel Alçada, que também assistiu ao ensaio da peça. Tesouro nacional da pintura portuguesa e “singular retrato colectivo da história da pintura europeia”, os Painéis de São Vicente de Fora estão actualmente a ser alvo de um “check-up” extremamente rigoroso. Na posse de um novo aparelho de XRF (fluorescência de raios X), que permite analisar de forma não invasiva a composição química da obra, a equipa de conservação e restauro do Museu Nacional de Arte Antiga espera conseguir chegar a uma cronologia mais detalhada das intervenções efectuadas até hoje.
Museu Nacional de Arte Antiga. 7, 21 e 28 de Nov e 5 de Dez. Dom 16.00. 8€. Reservas por telefone (91 676 2706) ou e-mail (producao@focolunar.com).
Artigo escrito por Raquel Dias da Silva em Time Out